segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Nelson Rodrigues 1912-1980




Só os profetas enxergam o óbvio", dizia Nelson Rodrigues a respeito de certos fenômenos que, por estarem bem debaixo dos nossos narizes, tornam-se invisíveis. O óbvio ulula* para nós, clamando por reconhecimento, e, apesar disso, passamos invictos por ele, com um superioridade imbecil e alvar**. Um dia, finalmente, alguém o enxerga - e, por enxergá-lo, torna-se um profeta e é carregado em triunfo numa bandeja, de maça na boca, como um leitão assado.

Nelson, mais do que todos, foi uma vítima do óbvio. Com exceção dos iluminados de sempre, os críticos comportaram-se diante de sua obra como ceguinhos da Rua do Ouvidor. Moralistas de direito e de esquerda, sentados sobre os próprios rabos, tachavam-no de imoral. Até os inteligentes - e que gostavam dele, como o poeta Manuel Bandeira - às vezes o estranhavam: " Nelson, por que você não escreve sobre pessoas normais?", perguntou Bandeira - E Nelson, levantando as mãos aos céu: "Mas, meu querido Bandeira, eu escrevo sobre pessoas como você ou eu!".


Ninguém gosta de olhar ao espelho e ver o vampiro de Susseldorf. Donde era normal que muitos não percebem que, na pele das personagens de Nelson - homens de bem , senhoras honestas e virgens de catorze anos, roídos por fantasias inconfessáveis -, estivesse um nosso velho conhecido: o ser humano, purgando cada gota de sêmen derramado em vão. Custaram a enxergar que toda a obra de Nelson era um gigantesco esforço de redenção desse mesmo ser humano.

Mas o óbvio acaba se impondo, pela antiguidade ou pela presença esmagadora e, no caso de Nelson, todos os seus inimigos caducaram ou se converteram. Antes de morrer, aos 68 anos, em 1980, ele teve a sorte de ver reconhecido como gênio do teatro brasileiro.

Texto extraído do "Livro Nelson Rodrigues - O Melhor do Romance,
Contos e Crônicas", escrito por Ruy Castro e distribuído pelo Jornal
- Folha de São Paulo em 1.993